domingo, 29 de abril de 2018

Até tu, Beltrame?

Sempre me perguntei como José Mariano Beltrame nunca percebera e tampouco denunciara o esquema criminoso que drenava dinheiro dos cofres do Rio. Beltrame era um policial federal reconhecidamente competente. Ou seja, tinha fontes na instituição. Seria quase uma Louis Lane. Jornalista investigativa, que por causa de um par de óculos, não percebia que o Clark Kent era o Superman. 

O jornal o Globo traz  neste domingo uma reportagem informando que Carlos Miranda, um dos operadores do Cabralduto, homologou no STF um acordo de delação premiada. Nele, Miranda afirma que Beltrame teria recebido mesada de R$ 30 mil entre 2007 e 2014. 

Numa conta grosseira, seria a  apropriação indébita de quase R$ 3 milhões. A se provar a acusação, a cegueira ou incompetência trocam de nome. Transformam-se em conivência corrupta. 

Com sua mesada de R$ 30 mil, o xerife do Rio seria apenas mais um corrupto. No entanto, há o agravante de ter sido o responsável ao combate à corrupção policial e à violência no estado. Caberia a pergunta “Até tu, Brutus?” 

Entristece-me a possibilidade de Beltrame ser corrupto. Eu acreditei que o projeto dos UPPs era uma saída para o combate à violência no Rio. O ex-secretária dizia não acreditar que a solução era entrar nas comunidades atirando. Que o caminho era conferir cidadania às pessoas que moram em locais dominadas pelo tráfico. Os moradores são tão vítimas do que qualquer outra vítima. Com o agravante de terem que seguir as ordens de um “estado paralelo”. 

Carlos Miranda delata ainda o pagamento de prêmios ao governador Luiz Fernando Pezão. Fato que já não surpreende. Pezão consegue a proeza de ser um morto-vivo do Executivo fluminense. Seu mandato acabou quando foi decretada a intervenção federal. No entanto, ele vaga por inaugurações e assinaturas de convênio quase invisível. Quando o percebem é para vaiar. Teve quem achasse que a República do Chuvisco (os governos do casal Garotinho) teria sido o pior que aconteceu ao Rio  desde a redemocratização. Mal sabíamos que a quadrilha do Cabral seria mais nefasta. 

A se comprovar a acusação a Beltrame, está posta à mesa o perigo de mais uma paixão brasileira: a criação de heróis. A voz tranquila e o ar quase de monge de Beltrame seriam fachada  para mais um corrupto instalado em posto-chave da administração estadual.

Perto do que foi desviado, a grana da mesada do Beltrame seria irrisória, o que não tira o caráter corrupto do ato. Ao menos Beltrame se livraria do estigma de ser um policial incompetente. 


No entanto, por princípio, vou esperar as provas. Delatores não são corruptos arrependidos aptos a canonização. Para ser considerado criminoso o cidadão tem que ser julgado e condenado. Se bem que perante a lei brasileira tem uns que são mais iguais do que os outros e seus processos pegam a faixa seletiva e andam sem congestionamentos. Abaixo, a íntegra da nota do ex-secretário negando as acusações:

É com surpresa e desgosto que recebo a informação de que meu nome foi citado numa delação premiada. O delator, pessoa que mal conheço e que corre sério risco de passar os próximos 20 anos na cadeia, afirma que minha família recebeu mesadas por eu estar no Governo. É tudo o que sei, e pela imprensa.O denuncismo não é novidade para mim. Por dois anos fui inquilino de Paulo Roberto, assessor do então Governador Sérgio Cabral. Este assessor é agora citado como o intermediário que teria recebido as tais mesadas em meu nome. Oportunistas de plantão - em especial o ex-governador Garotinho - usaram e abusaram dessa história do imóvel, tentando fazer de meu inquilinato uma prova contra minha honestidade. Fui caluniado algumas vezes. Com os recibos dos aluguéis e minhas declarações de Imposto de Renda, venci todas as ações no Judiciário, com direito a indenizações reparatórias. Nunca recebi um centavo, embora seja direito meu. Uma Justiça que ainda não veio. E agora esta história de mesada fabricada por alguém que está coagido e, sabe·se lá porque, usando meu nome para jogar fumaça sobre os próprios dramas.

Venho a público me defender pensando principalmente nas pessoas que apoiaram, ajudaram, incentivaram e que,mesmo quando divergiam, mantinham uma relação respeitosa com meu trabalho. Que a política tenha sido contaminada pela sanha da corrupção, nos resta lamentar, punir e corrigir. Mas quero me dirigir, olhos nos olhos, a aquelas pessoas que confiam na minha integridade. Quero garantir a elas que esta acusação, além de fantasiosa, não tem
pernas. São as únicas metáforas que encontrei para substituir o já tão desgastado "absurdo".


Atenciosamente,


José Mariano Beltrame

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