quinta-feira, 19 de abril de 2018

João Gilberto e o abandono dos ídolos

O drama de João Gilberto é um reforço na velha história dos gênios atormentados. Tudo nele é peculiar. Conta o evangelho da Bossa Nova, que ele inventou a batida diferente e refundou o jeito de cantar durante uma introspectiva temporada na casa da irmã. Lá ele descobriu que o banheiro tinha a acústica ideal para o jeito suave que ele queria emitir a voz . 

As lendas em torno de João são quase tão grandes quanto às histórias. Não querer ruídos, mínimos que fossem, em apresentações ao vivo. Se irritar com o som da casa de shows, ou simplesmente cancelar os recitais. Tudo isso faz parte do mito João Gilberto. 

O fato é que ele é o último sobrevivente da Santíssima Trindade bossa-novista. É o mais novo e conseguiu ultrapassar o tempo de vida de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, que morreram aos 67 anos. 

Com os avanços da medicina, João chegou a uma idade avançada, mas há muitas pessoas de sua geração que levam uma vida em plena atividade. Só no campo artístico podemos citar Silvio Santos, Fernanda Montenegro, Laura Cardoso e Lima Duarte. 

João Gilberto é gênio. Acho que meu primeiro contato com ele foi ao ouvir O Pato. Depois tive minha fase Rock Brasil, mas voltei minha atenção para a música dele novamente e não larguei mais. Não sou especialista em música, mas João carrega em si o conceito de “menos é mais”. Alguém muito mais afiado nas palavras do que este escriba aqui disse que cabe uma escola de samba no violão de João Gilberto. 

A reclusão, as excentricidades e o mito em torno do cantor podem estar cobrando a conta neste momento em que ele deveria ser alvo de todas as homenagens. 

As últimas notícias sobre a briga familiar em torno de seu patrimônio são desalentadoras.  Ameaças de despejo, perto da falência, e agora desorientação mental ao ponto de oficiais de justiça não poderem comunicá-lo sobre um processo abalam a imagem de um dos símbolos do que de melhor o Brasil produziu. 

Sei que em tempos de defesa de um estado mínimo, posso até ser apedrejado pelo que vou especular, mas acho que este seria o caso do Ministério da Cultura interferir. Entender se pode fazer alguma coisa pelo cantor. João Gilberto é um patrimônio cultural brasileiro. O Brasil deveria se mobilizar para ajudar. João Gilberto. 

É preciso reverenciar o mito e ajudá-lo quando ele atinge sua dimensão humana. Quando ele se for, pouco vai adiantar medalhas com o nome dele, ruas, praças ou feriados. Não deixemos que João Gilberto se irmane na tragédia com o que Garrincha foi no futebol. 

Dona Ivone Lara, a Dama do Samba, morreu em um hospital público. Em um país que respeitasse seus ídolos teria uma velhice tranquila, cercada de conforto e bens materiais. 


O país fica mais pobre ao abandonar João Gilberto e perder Dona Ivone Lara. 

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