quinta-feira, 12 de abril de 2018

Cerveja no Jardim Botânico numa tarde de outono

Esquina da Rua Frei Leandro com Jardim Botânico. Meio-dia e meia de um dia de semana no outono. Vejo dois homens que parecem saídos de alguma crônica sobre a malandragem do Rio. Aqueles personagens que o lugar comum descreveria na Lapa, no entanto, estavam ali, na Zona Sul da cidade. 

O homem com chapéu de estampa de zebra, um bigode clássico, fininho, camisa lisa bege, calça de tergal azul e mocassim. O outro usava um boné, camiseta regata, um cordão grosso no pescoço. Cada um tinha a sua frente uma garrafa de cerveja, copos pela metade daquele líquido amarelo e um colarinho bem curtinho. 

Os dois deviam ter mais de 70 anos. Pensei que aquela conversa ia longe. Comecei a pensar em como nascera a amizade. Sentados em frente aos copos de cerveja, a pausa na conversa que observei guardava o silêncio de amizades compulsórias, daquelas que palavras frenéticas não fazem mais parte. Do tipo que os sorrisos, os suspiros e o movimento de sobrancelhas falam tanto ou mais do que uma expressão corriqueira que pode ser dita tanto a um estranho quanto à sua mãe. 

Há um problema da análise dos fatos aproveitando apenas o lampejo do instante que você acompanhou: sobram muitas perguntas. 

Se toda realidade é uma construção e a verdade depende dos olhos de quem vê, para mim os dois homens sentados na esquina da Frei Leandro com Jardim Botânico tomavam cerveja e se lembravam de experiências vividas naquele lugar. Nos tempos em havia casas e não prédios luxuosos, tinha menos carro na rua e a velocidade da vida era mais baixa. 

Com nostalgia e complacência, não com crítica e ridicularização, entendo que os dois homens pareciam deslocados no tempo, ou talvez, localizados num tempo particular. Num ritmo no qual, os que acham que ainda têm muito a percorrer, não se permitem adotar. 

Executivos, secretarias, jovens profissionais promissores e estagiários das empresas da região talvez não vejam os dois homens mais velhos sentados no meio do caminho, com as garrafas e copos de cerveja num dia de semana de outono. 

A verdade é que talvez, para muitos dos personagens citados no último parágrafo, os homens sentados na esquina tenham pouca utilidade. E neste mundo de excessos, colorido e de luzes sempre acesas, o que nos parece inútil torna-se invisível. 

Quinze minutos depois da primeira vez que os vi, voltei e eles estavam lá. Havia uma terceira garrafa de cerveja na mesa e eles conversavam alguma coisa. 

Por passar rápido, capturei apenas fragmentos de conversa, mas nada conclusivo. Aliás, nem queria apurar sobre o que falavam. Prefiro imaginar conversas filosóficas entre pessoas que já viveram muito. 

Imaginem a minha decepção se eles estivessem apenas reclamando que a cerveja estava quente ou que o torresmo estava demorando a chegar. Perderia todo lirismo que vulgarmente tentei colocar nestas linhas. 

Muitas vezes a realidade é mais pobre do que o que trazemos na cabeça. 

2 comentários:

  1. Muito legal, meu amigo. Espero q a vida nos permita um dia ocupar os lugares dos personagens da história de hj. Abraços

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  2. Creso o que você viu foram dois Zé Pilintras, você teve um momento de conexão com o outro plano.
    Rs

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