sábado, 24 de março de 2018

A gourmetização da Rádio Globo e as lições que a nova Jornal do Brasil AM pode tirar


Um caminhão de mudança na porta do edifício mais emblemático do rádio carioca. É inevitável. Vai ser concluído nesta semana o desmonte do mítico endereço da Rua do Russel 434. O prédio era enorme para o que se transformou o Sistema Globo de Rádio. Depois de seguidas demissões havia espaços que pareciam os de cidades fantasma. 

Para quem viveu os anos de auge e bonança financeira da empresa, olhar as cadeiras vazias, depois as salas sem cadeira e, por fim, luzes apagadas e as portas fechadas dava uma dor na alma. 

A questão é que o velho modelo do SGR sucumbiu. E na vida quando o naufrágio se aproxima, há dois caminhos: corta-se para tirar o peso e tentar adiar a derrota, ou investe-se tudo no que resta de força nos motores, para que o navio consiga chegar a algum porto. 

A direção do SGR decidiu cortar em vez de investir. O tempo dirá se o pragmatismo dos números funcionou. A verdade é que na batalha da afetividade, as emissoras perderam. Globo e CBN estavam impregnadas na alma da cidade. Tupi e Bandnews ocuparam essas posições. A Globo, que tentou um segmento mais qualificado, até agora vê a JB, em termos de relevância, audiência e receita, a uma distância como do homem à lua. 

Diz-se que uma das estratégias para a mudança da capital do Rio para Brasília estava no encastelamento dos poderosos. Era uma maneira de evitar as pressões populares. A verdade é que Brasília cresceu e, hoje, as manifestações chegam bem perto dos palácios. A mesma estratégia teria sido usada na Ilha do Fundão. O objetivo é que os perigosos estudantes ficassem dispersos num campus inóspito da UFRJ. Coisas de século XX. O smartphone acabou com os empecilhos espaciais que tentaram impor às manifestações. 

A ida da Globo para o Projac, à guisa de representar uma integração com a TV, tem esse efeito de afastamento do público. As catracas, seguranças e muros de Jacarepaguá são quase intransponíveis a quem se deslocava longas distâncias para levar um bolinho de fubá, uma carta com pedido de emprego, ou um paninho bordado com o nome do comunicador, produtor ou repórter preferido. 

Estamos vendo o encerramento da cerimônia fúnebre da velha Rádio Globo e do velho SGR. Começou com a destruição do painel com as fotos dos grandes comunicadores da casa e a colocação no seu lugar de uma parede preta. Passou pela mudança da produção da Globo para o Projac e se concluiu com um caminhão de mudança na porta do SGR, para levar os restos mortais do que já foi a maior rádio do Brasil e a mais importante rádio jornalística do pais. 

A Rádio Globo se gourmetizou. Afastou-se do público que a fez relevante. Primeiro, o afastamento foi no conteúdo, agora, fisicamente.

Uma das justificativas para a mudança é a integração com outros veículos do grupo. Rádio Globo com a TV e CBN com o jornal. O irônico e paradoxal é que ao se integrar a outras empresas do grupo, o próprio SGR se desintegrou. 

A ida da CBN para o prédio do Globo e a maioria da produção da Globo para o Projac (OK, Estúdios Globo) parece a triste história de dois irmãos que perderam os pais num acidente. Os dois se separam e vão pra casa de parentes. Com o tempo perdem os laços fraternos. O núcleo familiar deles se desfaz, até que no lugar dos retratos na parede surja uma tinta preta que apague as lembranças. 

Que a nova Rádio Jornal do Brasil AM não se esqueça de duas lições. Para fazer jornalismo tem que ter jornalista e a empatia com o público não é só desejável, é vital para uma emissora. 


2 comentários:

  1. Preciso processar bem o meu luto. Sim estou enlutado. Guardei o que podia de áudios da Rádio da minha adolescência. O site www.showdoradio.com.br com o aplicativo Show do Rádio conseguiu proteger um pouco da história que os atuais diretores da Grupo Globo parecem não conhecerem. Resta-me chorar e viver de lembranças doces e lindas.

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