domingo, 25 de março de 2018

Escrever é abrir a alma. O dia em que perdi minha mãe


Em 2018 o calendário está coincidindo com o de 2001. Percebi este detalhe por causa do dia 25 de março. Era um domingo, como hoje. 

O ano de 2001 estava pródigo em notícias impactantes até ali. Fora o ano em que aconteceu o acidente com o cantor Herbert Viana, que o deixou paraplégico; a morte do governador de São Paulo, Mário Covas; e o naufrágio da plataforma P-36, na Bacia de Campos. Até 31 de dezembro aconteceria ainda o sequestro da filha de Silvio Santos, do próprio Silvio, o 11 de setembro e a morte de Cassia Eller. 

Vou continuar falando de março. Eu havia passado a semana anterior ao dia 25 no município de Macaé, cobrindo o desastre da P-36. Folguei na sexta, dia 23 para poder encarar o plantão no fim de semana. Como escrevi lá em cima, era um domingo e estavam comigo na Rua do Russel 434 minhas amigas Adriana França e Carolina Morand. 

Minha mãe, Dona Alzira, não estava bem há alguns meses. Pouco mais de um mês antes o médico me prevenira: “o coração da sua mãe é como um velho cavalo. Nos últimos tempos estamos dando chicotadas para ele andar, mas uma hora, ele vai parar”. 

Lembro ainda de uma conversa que meu futuro sogro teve comigo. Experiente e por ter passado por algumas perdas na vida, ele foi preparando meu espírito durante uma carona até o hospital que minha mãe estava internada. Na hora do diálogo, não entendi que o objetivo era me preparar para o desenlace próximo. 

Olhando o passado, o desenrolar dos fatos levava a um fim óbvio. No entanto o presente e a fuga da aceitação nublam a visão para desenlaces óbvios. 

Voltando ao dia 25 de março de 2001. Quando ia para o plantão, minha irmã Judith ligou dizendo que minha mãe estava passando mal. Ainda falei com minha mãe ao telefone. Ela disse que estava tudo caminhando e que eu poderia ir trabalhar para depois encontrá-la. Aquelas internações haviam se transformado em rotina nos últimos tempos. Eu e ela avaliamos que seria como das outras vezes. Morávamos na Rua Dona Mariana, mas eu não havia dormido em casa. 

Minha irmã ligou para o plano de saúde pedindo uma ambulância. Essa parte foi rápida. Difícil foi a que se seguiu. O plano estava sendo descredenciado de várias unidades. Minha mãe recebia os cuidados de uma equipe de socorristas dedicada, mas a ambulância não tinha todos os recursos para atender quadros como o dela. 

Depois de quase uma hora parada em frente de casa, período em que eu e minha irmã ligávamos para vários hospitais tentando vaga para minha mãe, a médica tomou a atitude de se dirigir para o único lugar em que havia alguma chance de internar minha mãe, uma clínica no Irajá. Minha mente recalcou o nome do hospital. Reconheço que não faço questão de lembrar. 


Minha mãe foi levada para o hospital. De acordo com que a médica me contou mais tarde, durante o percurso entre Botafogo e Irajá ela foi reanimada algumas vezes. 

Eu estava aflito por notícias. Ligava insistentemente para o hospital. Numa das tentativas me atenderam. Nela, fui informado que os médicos estavam tentando reanimar uma paciente que chegará em estado muito grave. Aquilo doeu de um jeito que as dores dos maus pressentimentos doem. A voz do outro lado me dispensou aflita. 

Passados alguns minutos, tentei novamente e o telefone tocou infinitamente. Não desisti. Finalmente depois de muita insistência, alguém atendeu. 

Falei que era filho da Dona Alzira e queria saber como ela estava. O médico foi lacônico: “ela obitou “. Aquelas duas palavras foram ditas de uma forma seca e impessoal. Eu repeti a frase em forma de pergunta, súplica e desespero. Dezessete anos depois ainda dói lembrar, mas reconhecer a dor é um dos passos para que ela não se torne obstáculo intransponível.

Lembro ter dado o berro mais gutural da minha existência e irromper num choro desesperado. Carol e Adriana tentaram me consolar, pegaram minha mão e fizeram aquilo que os grandes amigos fazem; deram-me o ombro para que eu desabasse. Em pouco tempo minha namorada e futura mulher chegou à redação para me buscar e me levar ao hospital.

Do caminho da Glória ao Irajá fui pensando no que me disse Dona Alzira quando lhe contei que casaria no final de junho: “está longe. Não vou ao seu casamento. Mas você vai ser feliz”. Achei no dia que era drama, mas hoje vejo que era certeza.


Quando cheguei ao hospital, a médica socorrista me disse que estava revoltada com o plano de saúde. Que se eu quisesse processá-lo, ela testemunharia. Ela disse ainda que aquilo fora um absurdo e que, se eu quisesse, compraria a briga comigo. 

Agradeci, mas nada fiz. Aquilo não traria minha mãe de volta. Aquele dia 25 de março foi muito difícil. Eu vesti minha mãe para o velório. A temperatura fria de seu corpo inerte ainda está em algum lugar profundo da minha alma. 

Escrevo este texto para expurgar aquela dor. Passados 17 anos, a dor se transformou em boa saudade. O ano de 2001, apesar de tudo, trouxe muitas coisas boas. Por exemplo, casei e fui padrinho em dois casamentos de pessoas especiais.   

No mundo afetivo não existe ontem. As pessoas que amamos estão sempre presentes. Como disse minha prima de 88 anos, a gente não morre, vive diferente. Gosto de acreditar que minha mãe está por aqui. De algum lugar que eu não vejo, ela me abençoa, faz um cafuné e vela pelos filhos, netos e bisnetos.

Um comentário:

  1. Emocionante! Que sensibilidade!! Está se superando cada vez mais! Se é que pode haver mais!!!!! Beijo carinhoso. Bom domingo!

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