quinta-feira, 29 de março de 2018

O menino, o soldado e a bola

Por mais que os smartphones deem a ideia de que todo mundo é fotógrafo, profissionais da área mostram que “o buraco é mais embaixo”. A foto de Gabriel de Paiva que saiu estampada na primeira página do Globo na quarta-feira 28 de março é daquelas que apenas um clichê pode definir: "uma imagem vale mais do que mil palavras”. 

Vou respeitar os direitos autorais e não vou reproduzi-la, mas como fiz a maior parte da minha vida trabalhando em radio, vou me apropriar de uma característica do veículo, ou seja, descreverei a imagem. 

Na foto, um menino de uns 12, 13 anos, está ao lado de um soldado do exército. O militar parece fazer “embaixadinhas” com a bola do garoto. Ao fundo, o caminhão do exército que estava no complexo do Lins, na Zona Norte do Rio. 

Como disse minha aluna Gabriele Roza, era o encontro de dois jovens. Um com capacete, roupa camuflada e coturno. Outro sem camisa, short e chinelo em apenas um dos pés. A uni-los, a decisão política do Governo Federal de enviar o exército para intervir na segurança pública do Rio. 

O menino que estava na comunidade se negava a interromper a brincadeira mesmo com aquele caminhão, nada natural à paisagem, plantado no meio do seu dia. 

Provavelmente a bola fugiu ao controle do garoto e o soldado desarmou o espírito e se lembrou que também era um jovem. O militar resolveu usar de empatia e devolver a bola para o menino. 

Ao mesmo tempo que jogar bola é um sinal de resistência do menino, talvez fruto de uma coragem infantil, a imagem pode nos levar a pensar em quão cruel é ter um caminhão do exército perto da sua casa, roubando um pouco da sua inocência. 

Aquele menino, que poderia ser meu filho, encara a dura realidade que anos de desmando, abandono, falta de uma política de inclusão séria ocasionaram às comunidades mais carentes. 

O pior é que a foto ilustra uma triste notícia. Mesmo com a pirotecnia e o grande apoio da mídia, a intervenção federal não melhorou os números da segurança no Rio. 

A verdade é que 15 dias após a morte de Marielle Franco, uma das vozes contrárias à intervenção, as autoridades de segurança não encontraram o paradeiro de quem matou a vereadora. 


Resta pensar no falecido compositor Fernando Brant, que na bela canção “Bola de meia, bola de gude” escreve uma frase que pode ilustrar a foto: “Há um menino, há um moleque morando sempre no meu coração. Toda vez que o adulto balança ele vem pra me dar a mão”. A bola da foto pode ser a construção de um diálogo. Enquanto os poderosos se engalfinham soldados e população, podem se aproximar por terem mais em comum do que seus trajes e idades podem sugerir. 

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