domingo, 18 de março de 2018

Ado, aado, cada um no seu quadrado

Nunca tive habilidades manuais. As piores notas durante o meu primário foram em Artes Plásticas. Era impressionante. Os trabalhos ficavam imundos, não conseguia fazer uma linha reta nem com a régua. O resultado eram notas horrorosas. 

A chegada ao Cefet para fazer o curso de técnico em Edificações foi traumática. Tanto assim, que fui reprovado em desenho técnico. Hoje com programas de desenho a situação deve estar menos problemática. Naquela época descobri que a concordância entre curvas e retas numa prancha A3 é muito pior do que a face verbal e nominal dela. . 

Na última semana, um bombeiro hidráulico esteve na minha casa para alguns reparos. Teoricamente, eu deveria estar apto a fazer os trabalhos que ele executou, afinal, tenho diploma de técnico. No entanto, não sou apto. 

Para consertar um vazamento no bidê, ele colocou um anel de borracha (do qual eu deveria saber o nome) e um veda-rosca. O que para mim seria um insondável mistério, para ele demorou 5 minutos. 

Porque ele fez rapidamente, o observador menos atento vai pensar: “isto é fácil. Eu também posso fazer”. 

Pronto, está aberta a porta da precarização da qualidade do trabalho.  Temos a mania de desvalorizar o trabalho das outras pessoas e supervalorizar a nossa capacidade para realizá-los. 

Eu estava com o assunto na cabeça e coincidentemente, ao longo do dia, surgiu no grupo de WhatsApp da escola de um dos meus filhos uma discussão sobre a quantidade de prejuízos gerados por causa da incapacidade técnica de algumas pessoas. Decretos vão e voltam porque não foram feitas consultas a todas as instâncias responsáveis. 

A questão povoava minha mente desde que li algumas críticas sobre uma série de erros acontecidos numa emissora de rádio. Como trabalho na área há 20 anos e dou aula há 16, resolvi opinar. 

Bombeiros hidráulicos consertam vazamentos, arquitetos projetam, cirurgiões operam e mestres cervejeiros fazem cerveja. 

Se colocarmos bombeiros para fazer cerveja, arquitetos com bisturi na mão, cirurgiões projetando e mestres cervejeiros consertando vazamentos hidráulicos nada vai dar certo. 

Comunicar numa rádio não é fácil, operar uma mesa de áudio não é fácil, entender sobre as instalações técnicas para transmissão não é fácil, discutir o conteúdo que vai ao ar não é fácil. Todos são saberes específicos. Trocar profissionais experientes por iniciantes, delegar grandes responsabilidades a quem ainda não foi testado e não cuidar efetivamente do que vai ao ar faz com que a fatura fique alta. 

A conta chega. Como? Perdendo-se relevância, credibilidade e receitas. Como aconselha Dona Ivone Lara: “alguém me avisou pra pisar neste chão devagarinho”. Quando não se respeita o tamanho da tradição, corre-se o risco da tradição engolir a novidade. 

Já que apelo à sabedoria popular, cito o senador artilheiro Romário: “chegou agora e quer sentar na janela”. A janela está lotada, o corredor vazio e não sobrou ninguém para olhar o trajeto do ônibus. 

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