sábado, 31 de março de 2018

Revisitar velhas histórias

O ofício de escrever todos os dias, a que me propus seis meses atrás, reserva um desafio: encontrar assunto todos os dias. Toda vez que saio de casa, assisto TV ou leio um livro procuro um mote para o próximo texto. 

O de hoje veio de uma conversa com meu sogro. A frase que me chamou atenção é: “velho tem sempre uma história para contar, que não sabe se já contou”. 

Todos nós temos histórias que gostamos de repetir. Afinal, essas histórias vividas nos conduziram até onde estamos. O olhar para o passado tem algumas utilidades. Uma delas, não repetir os erros. Mas será que são sempre as mesmas histórias?

Este olhar pelo retrovisor é uma construção, na verdade, uma reconstituição. E essa reconstituição não pode ser fiel. Tem que ser na medida que caiba no coração da gente, ou nos limites do retrovisor.  

O esquecimento não é apenas falta de memória no “HD”. É também obra da preservação para continuarmos a caminhada. Tem um conto de Jorge Luiz Borges chamado Funes, o Memorioso. Para não dar spoillers, a doença do personagens é se lembrar de tudo. 

Se a gente se lembrasse de tudo, na verdade, não conseguiria lembrar de nada especialmente. Por um simples motivo: não faríamos escolhas. Jogaríamos na vala comum o gosto da pipoca do cinema e aquele jantar num restaurante delicioso com alguém especial. 

Sem a capacidade de lembrar o que importa, nada importaria. Nessas voltas ao passado, pessoas que viveram as situações com você, muitas vezes sentiram algo oposto ao que você sentiu. É muito difícil conciliar expectativas e lembranças. Há um episódio de Friends em que o personagem Ross reclama que Rachel não fica com nenhum presente que ele dá. Ela troca todos. Na sequência Rachel corre até o quarto e mostra um relicário de pequenos presentes que ela guardara. Um guardanapo com um recado carinhoso, uma camiseta velha e surrada dele que ela usava para dormir, entre outras coisas. Os presentes que importavam para Ross não eram os mesmos que importavam para Rachel. 

As lembranças e sentimentos  são individuais. Cada um vive a história de um jeito único. Mesmo de mãos dadas com seu filho, aquele mergulho no mar é uma experiência individual. Ele terá um ponto de vista que não é o seu. 

O exercício de se colocar no lugar do outro é possível pela empatia, mas jamais se tornará real. É uma utopia. Apesar de respeitar muito a sabedoria de quem está há mais tempo no caminho, tomo a liberdade de discordar levemente do meu sogro. 

Não é apenas o velho que tem uma história pra contar e não sabe se já contou. Todos nós somos assim. Porque no campo da afetividade, onde residem estas histórias, não há tempo continuo. Além disso, quando revisitamos a história há um detalhe novo que foi esquecido..Logo, não há sempre a mesma história. A história é sempre diferente.

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