terça-feira, 20 de março de 2018

Morte de Marielle: está valendo até xingar o padre

O mundo não é para iniciantes. No mesmo dia que a cantora Katy Perry fazia uma homenagem à vereadora Marielle Franco e ao motorista Anderson Gomes, dois cidadãos demonstraram o quanto a empatia anda em falta no nosso tempo. 

O padre Mário França celebrava a missa na igreja da Ressurreição, em Ipanema. Ao mencionar o nome de Marielle, duas pessoas chamaram-no de padre “filho da puta”. 

Por essas coincidências do destino, o Padre Mário foi um dos celebrantes do meu casamento. A cerimônia foi ecumênica. Ele e o reverendo Paulo Severino da Silva Filho, meu amigo de infância, fizeram meu casamento.  Mário França é um dos teólogos mais respeitados do país. 

Na homilia, o religioso lembrou Jesus e aqueles que morrem na luta por um mundo melhor. Ao citar o nome de Marielle foi xingado. Os dois homens foram aconselhados a deixar a igreja depois do episódio. 

O que me assusta no acontecido é o fato das pessoas irem à missa no domingo de manhã, teoricamente, para celebrar a união e a ligação com Deus e agem assim.  Católicos, deveriam seguir o exemplo de Cristo descrito no Evangelho. No entanto, demonstraram o ódio e a polarização desses loucos dias. Foram capazes de xingar o padre dentro do templo por não suportarem ouvir o nome de uma pessoa com a matiz ideológica diferente. 

Para se ter uma ideia, em 1968 houve uma missa em homenagem ao estudante Edson Luiz, morto pela repressão no restaurante Calabouço. 

A Polícia agiu violentamente contra os protestos após a cerimônia religiosa. Mas mesmo a repressão, que primava pela truculência,  esperou que os manifestantes deixassem a igreja da Candelária. Ou seja, a polícia respeitou o templo, apesar de não respeitar as pessoas e a liberdade. Esses dois cidadãos que xingaram o padre Mário  profanaram a igreja com a chaga da intolerância.

O que podemos constatar é que há pessoas que praticam uma religiosidade seletiva. Em vez da solidariedade pela família de quem morreu, preferiram aderir à guerra ideológica  deflagrada pela morte de Marielle. 

O antropólogo francês Edgard Morin definiu certa vez nossos dias como como a “Idade de Ferro Planetária”. Uma época  em que apesar de todos estarem numa interconexão permanente, vive-se uma barbarie total nas relações entre as pessoas, culturas, etnias e nações. Cético, Morin acrescenta que não sabe se o mundo sairá desta fase. 

Enquanto no show de Katy Perry uma cidade machucada se irmanava num minuto de silêncio em memória de Marielle e Anderson, dois frequentadores de uma missa parecem não ter entendido nada do que falava Jesus Cristo. 

E nessa divisão, nessa falta de solidariedade só há perdedores. Desembargadores irresponsáveis, como Marília de Castro Neves, parlamentares irresponsáveis, como Alberto Fraga, e falsos cristãos que não entendem o valor do amor. 

A morte de Marielle abriu as portas do inferno. Mostrou o quão cruel o ser humano pode ser. A intolerância não permite a um padre citar o nome de uma pessoa morta na missa. Os intolerantes profanaram o templo e, simbolicamente, profanaram o túmulo de Marielle. 

3 comentários:

  1. Parabéns pelo texto. Impecável e fiel ao infeliz momento que vivemos. A intolerância não conhece a palavra respeito!

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    1. Muito obrigado pela leitura Bruno. É isso aí que vc escreveu. A intolerância não conhece a palavra respeito.

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  2. Infelizmente, entre os cristãos, católicos ou não, está a maior das contradições do nosso país. Considerável parte deles é discriminadora e intolerante, não aceitam um mundo plural, não percebem o valor das vidas quando elas não habitam em ambiente semelhante aos seus.

    Hipócritas, sim hipócritas, pois repetem aquilo que está escrito na Bíblia, nas orações, como uma ladainha, sem de fato ouvirem o que dizem. Mentem ao dizer que procuram viver a imagem ée semelhança do Cristo, quando na verdade se assemelham mais àqueles que o pregaram à cruz.

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