quarta-feira, 21 de março de 2018

A gente não morre, apenas vive diferente


A ideia da morte não me é confortável. Não é nada original esta frase, eu sei. Fujo do tema, não gosto de elaborar em minha mente como será o fim inevitável da existência.

Por ser filho temporão, cresci assombrado pela ideia de que meus pais me deixassem logo. Diante da diferença de idade entre mim e eles, os tive por mais tempo do que esperava. Meu pai morreu quando eu tinha 26 anos. Minha mãe morreu quando eu tinha 29. Eles conseguiram me acompanhar até bem depois de eu poder caminhar com minhas pernas.

Ainda não aprendi falar confortavelmente sobre a morte, mas uma conversa com minha prima que acaba de completar 88 anos me inspirou a escrever este texto.
 
Tive uma educação religiosa na infância/adolescência. Frequentei a Assembleia de Deus e a Igreja Presbiteriana. Duas doutrinas completamente diferentes. Fiquei na Assembleia dos 6 aos 13 anos   Lá, aprendi que se fosse justo e não pecasse iria para o céu. Aquilo me angustiava. Cada palavrão que falava, eu pensava que minha fatura estava muito cara e que se morresse, iria para o inferno sem escalas.

Na Presbiteriana senti menos esta cobrança. Entrava na adolescência e me ocupava de coisas mais terrenas. Queria arrumar namoradas e mudar o mundo, necessariamente nesta ordem.

Mas vamos voltar à conversa com minha prima, que, aliás, chamo de tia por causa da diferença de idade. Nosso diálogo me confortou. Ela me disse: “a gente não morre, vive de um jeito diferente. Aos 88 anos, sinto minhas energias indo embora. Isso não me preocupa. Minha filosofia é de que as coisas só melhoram, nunca pioram”.

Já ouvi frases com sentido semelhante muitas vezes. No entanto, ouvi-la de minha “tia” me deu um conforto especial.

No último domingo estive num velório. Omar Cruz era um botafoguense gente boa. Aos 78 anos tinha boa saúde cardíaca, mas como é um músculo involuntário, o coração decidiu que era hora de descansar e parou de bater. 

Omar era casado com Sonia há 45 anos. Somados os 5 anos de namoro e noivado, chegaram a 50 anos de cumplicidade. Quando encontrei Sonia no velório, a primeira coisa que ela me disse foi: “perdi meu companheiro de 50 anos. O companheiro da minha vida”.

Naquele momento não consegui encontrar palavras que pudessem confortar Sonia. A dor não some nestas horas, ela permanece na alma. A imagem que me veio à cabeça foi dos velhos televisores à válvula. Você desligava o aparelho, a imagem ia embora e ficava apenas um ponto no meio da tela. Talvez seja uma pequena metáfora das despedidas.

Aquele ponto que vai diminuindo é a dor, que começa a maior do mundo, mas depois vira um pontinho no centro da alma. Quando ligamos o aparelho de novo, a imagem que aparece é da saudade boa. Você rememora apenas os bons momentos. Quando sonho com meus pais, só os vejo sorrindo e isso me conforta.

Além desta improvisada figura de linguagem, me veio a frase da Tia Nelly:  a gente não morre, vive diferente.

O amor que a gente vive e as pessoas que a gente gosta são imagens que não se vão. Elas ficam longe dos olhos, mas vivem em lugares dos quais jamais sairão,  nossas almas.

Então é isso, Soninha. O Omar não morreu, só está vivendo diferente e nunca sairá de dentro da sua alma.

Um beijo.

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