sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Sou jornalista com muito orgulho

Acho que não lembro mais quando desisti de ser super herói para me tornar jornalista. Em 1986, aos 15 anos, eu era editor do Barbosinha, publicação da Biblioteca Infantil Maria Mazetti , da Fundação Casa de Rui Barbosa. Com 16 anos, publiquei minha primeira matéria na grande imprensa. Foi na Revista Amiga, mas como ghost-writer. Meu irmão da vida, Marcelo Passamai, trabalhava na revista de fofoca da Bloch Editores e me arrumou este frila. Aos 47, passados 31 anos, meu “crime” prescreveu. A verdade é que sempre alimentei este sonho, viver de narrar histórias, de jogar luz onde muitos queriam escuro. 

Sou jornalista com muito orgulho. Acho que o tenebroso momento que o país enfrenta faz com que a confirmação da fé na minha vocação seja mais do que necessária. 

Vou usar um caso contado por um de meus mestres na profissão. Ele me disse que no meio de uma discussão de família, ouviu a sentença: “a culpa é da imprensa”. Com sua ironia peculiar respondeu: “quando se faz a reunião de pauta o primeiro item é ‘como vamos ferrar o povo hoje’. Na reunião da tarde vem a avaliação a respeito das matérias em que alcançamos nossos objetivos de ferrar as pessoas”. 

Os seguidos ataques que a categoria recebe me fazem lembrar Chico Buarque, mais especificamente na canção Geni e o Zepellin. Para quem não conhece, a música é assim: uma travesti, que era considerada a escória da sociedade, salva a cidade da destruição. No momento em que ela era necessária, o juiz, o banqueiro e o bispo se uniram para pedir que ela cedesse aos anseios sexuais do comandante do Zeppelin. Depois que ela impediu a destruição do local, volta a ser amaldiçoada. 

O jornalismo vive seu momento “Geni”. Na verdade, em muitas outras oportunidades da vida nacional a sentença “a culpa é da imprensa” já foi proferida. Neste momento em que os ataques à profissão estão ocorrendo inclusive de dentro dela, é necessário lembrar: nunca o jornalismo profissional foi tão necessário. 

Solapar o jornalismo é fazer o jogo de quem quer transformar a guerra de informações numa batalha sangrenta e suja. E nesta batalha,  a sociedade será derrotada. A profusão de fake news tem na desvalorização do papel do jornalista profissional uma de suas razões. 

O raciocínio é simples. Todo mundo acha que pode ser jornalista. Na verdade, por debilidade das grandes empresas de comunicação, foram instituídas seções do tipo “eu-repórter”. Isso empodera o público e dá a ele a errônea impressão que está plenamente apto a reportar notícias. Não há ética, tampouco responsabilidade ou critérios de noticiabilidade com o conteúdo passado. 

Outro dia ouvia uma emissora jornalística e o âncora do noticiário falava sobre uma operação policial. Ao final da nota, o jornalista pedia ao público fotos para ajudar a rádio na produção do conteúdo. Ou seja, por falta de braços, os barões da mídia insistem em “terceirizar” a função de garimpar, apurar e transmitir notícias. 

Põe-se o conteúdo no ar, se estiver errado, corrige-se. Nessa operação são jogados no lixo alguns preceitos do jornalismo como a apuração e a checagem e, consequentemente, a credibilidade. Então, empoderado por sentir-se um repórter,  a pessoa começa a espalhar por suas redes de contato as informações. Ela já percebeu que pode passar informações confiando no seu olhar. Como é uma pessoa “bem informada” vai começar a procurar abastecer sua rede de contatos com notícias. Se a emissora que antes ela“ajudava” não checava o que botava no ar, agora,  se sente livre para não checar também. E vem daí uma das causas da disseminação de fake news. O artigo da jornalista Maria Carolina Santos - O jornalismo não vai nos salvar do WhatsApp- (https://jornalggn.com.br/noticia/o-jornalismo-nao-vai-nos-salvar-do-whatsapp-por-maria-carolina-santos) se aprofunda mais no tema. 

Dizer que o jornalismo é culpado pelo surgimento de Jair Bolsonaro é impreciso. A primeira coisa necessária é separar jornalismo profissional dos interesses das corporações midiáticas. 

Os donos dos veículos entediam que tinham nas mãos um negócio da China. Conseguir milhares de colaboradores, que lhes forneceriam conteúdo e não cobrariam por isso. Os financistas da comunicação esqueceram uma das premissas do mundo capitalista: “não existe almoço de graça”. Agora, o ovo da serpente que criaram estourou a casca. Os colaboradores resolveram se arvorar de produtores de conteúdo. Não precisam mais da mediação dos veículos tradicionais. Em última análise, aumentaram a crise de credibilidade das grandes empresas. 

O escândalo do disparos de fake news patrocinado por apoiadores de Bolsonaro é outra face desta crise. O descrédito nos grandes meios e a confiança cega na mensagem passada por alguém próximo dão um tiro na democracia. Jair Bolsonaro percebeu a porta aberta, meteu o coturno e a escancarou. Percebeu o que o público fazia e atuou. 

Não adianta correr disso, os anos passam, mas na hora da busca pela objetividade e pela justiça nos fatos só há uma jeito: Jornalismo neles! Só isso salva a gente no fim do dia, tal qual o Superman fazia. Um jornalismo perdigueiro, cidadão e inconformado. Um jornalismo independente, praticado fora dos grandes veículos, o jornalismo produzido nas brechas que os interesses dos donos dos meios permitem. Um jornalismo bendito, que apesar das tentativas de destruição, “samba na lama de sapato branco”, protegendo nossa sanidade e restituindo nossa crença na realidade. Sem dúvida, uma autocrítica do jornalismo é necessária, autocrítica necessária para tudo na vida, aliás. Eu não desisto do jornalismo, porque ele é a luz no fim das trevas da desinformação.  


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