sexta-feira, 12 de outubro de 2018

O medo do guarda da esquina 2

Maturei alguns dias antes de empunhar minhas armas, neste caso, meu blog, para falar dos nossos tortuosos tempos e das pressões sobre as posições políticas. Como a marcha das eleições segue adiante, na mesma direção, resolvi falar das minhas impressões. 

De tudo que ocorreu entre o último texto publicado e o de hoje os sinais de intolerância são os que mais me amedrontam. A partir da morte do capoeirista em Salvador, outras perseguições me deixaram em estado de alerta. 

Encontrei uma querida ex-aluna nos pilotis da PUC. Notei que ela estava ansiosa e agitada. Foi no dia seguinte do primeiro turno. Ela me disse: “estou com medo. Fui pegar um ônibus e o motorista não abriu a porta. Fiquei pensando se ele percebeu que eu era lésbica e não quis abrir. Claro que o motivo não era necessariamente este, mas fiquei com medo”. 

O problema é o medo plantado em nossos corações. Medo de desrespeito às regras do jogo democrático, medo da relativização do preconceito, medo da força repressiva à diversidade que uma eventual vitória do candidato do PSL pode trazer. 

Houve o caso da moça que apareceu com a barriga marcada com uma suástica que teria sido desenhada por bolsonaristas. Ao ser indagado pela Rádio Gaúcha, o delegado do caso em vez de falar sobre a apuração necessária ao caso para comprovar a agressão ou não, preferiu usar o cínico argumento que não se tratava do símbolo nazista e sim, de um desenho budista que representava paz e harmonia. 

A expressiva votação do candidato que alimenta o discurso do ódio no Rio Grande do Sul, somada ao cinismo do delegado, fazem despertar em quem não professa a religião bolsonarista uma sensação de injustiça e de vergonha. 

Houve também o relato da mulher que foi detida em São Paulo após fazer pichações contra Bolsonaro. Ela afirmou que foi tratada abusivamente na delegacia e só foi liberada ao dizer #elesim. A Secretaria de Segurança de São Paulo afirmou que não há indícios de má conduta dos policiais. Para o bem da democracia, seria interessante abrir uma investigação e tornar o resultado público. 

Volto a citar o diálogo do vice-presidente da república no governo Costa e Silva, Pedro Aleixo, e o Ministro da Justiça, Gama e Silva. Ao criticar os poderes autocráticos do AI-5, Aleixo disse: “tenho medo do guarda da esquina”. 

A onda de violência que vier a ocorrer no país está diretamente ligada ao que Jair Bolsonaro declarou ao longo de sua carreira, exaltando torturadores, dizendo que o erro dos ditadores militares foi não ter matado mais., ou que a filha mulher foi uma fraquejada. 

Ao perceberem que estão respaldados, os “guardas da esquina” se sentirão empoderados para resolver as questões como acham que devem resolver. E nesta onda, em vez de investigar uma agressão, o delegado gaúcho responderá com escárnio, a Secretaria de Segurança paulista nem se dará ao trabalho de esclarecer o que houve na delegacia com a moça detida ao pichar o muro com inscrições contra Bolsonaro. 

O ex-Pink Floyd Roger Waters foi vaiado em São Paulo por colocar no telão do show #elenão. No entanto, o fato de ser estrangeiro e a super produção do espetáculo do músico o protegem. Mas não será surpresa se em poucos dias uma peça dirigida ao público gay, ou alguma peça de conotação política contrária ao capitão seja invadida por milícias, como a que foi à Praça São Salvador, dando tiros para o alto. 

Recuso-me a crer no pensamento totalitário de que todos os apoiadores de Bolsonaro no primeiro turno sejam fascistas, mas acredito que todos os fascistas do país votam no candidato do PSL. Deste modo, não é difícil imaginar a repetição de ataques tenebrosos como os que ocorreram há 50 anos com os atores da peça Roda Viva. 

O discurso de ódio está tão em evidência, que parte da torcida do Atlético Mineiro cantou para os cruzeirenses “cuidado, o Bolsonaro vai matar viado”. Não, isso não é brincadeira, isso é incitação ao ódio. E é mais um dos sintomas da síndrome do “guarda da esquina”. O abuso é justificado de cima. 

É intolerável a leviandade de Jair Bolsonaro de atacar as urnas eletrônicas ao dizer que se não houvesse problemas na votação, teria ganhado no primeiro turno. É uma declaração para causar instabilidade nas eleições e criar um ambiente para não aceitar a derrota, caso aconteça uma virada de Fernando Haddad. 

Tenho o privilégio de fazer mestrado. Toda semana tenho contato com professores e colegas que me ajudam a enxergar o mundo de uma forma mais plural. Dentre meus companheiros de turma há um padre congolês que veio fazer o mestrado no Brasil. Seu olhar estrangeiro para o que está acontecendo reforçou em mim a gravidade do momento: “vocês têm que entender, deve haver união para salvar a democracia”. 

As palavras dele me deixaram com mais medo. Não é um medo só por mim, mas um medo por meus amigos gays que poderão ser destratados nas ruas, pelos milhares de negros que tomarão “duras” da polícia pelo fato de serem negros. Medo de um poder ilimitado da polícia, conferindo-lhe autoridade para atirar primeiro e perguntar depois. 

Há varias formas de atacar a democracia. Não é necessário apenas apontar um tanque para o Palácio do Planalto e apear o presidente, ou fechar o Congresso. Acabar com as liberdades individuais, retirar o direito de ir e vir e promover o surgimento de milícias que ataquem a oposição são atos que da mesma forma ameaçam a democracia. Queria ter uma palavra mais reconfortante para a minha aluna. Mas não tenho. Tenho medo e se acontecer uma vitória de Bolsonaro, vou torcer para não encontrar um dos integrantes da sua milícia. Penso diferente e nesses novos tempos, isso é praticamente um crime.  

Um comentário:

  1. Parabéns pelo seu texto! Você conseguiu traduzir o meu medo pelo guarda da esquina também.

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